A controversa utilização da inalação de Monóxido de Carbono
Redação
Em 2024, o órgão regulador do ciclismo UCI (União Ciclística Internacional), declarou preocupação quanto a utilização da inalação de monóxido de carbono (CO) no esporte. Mas, por que a utilização da inalação de CO por ciclistas como Tadej Pogacar e Jonas Vingegaard, mesmo de forma diagnóstica, gerou tanta controvérsia?
Quando questionado a respeito da utilização do CO, Tadej Pogacar disse que havia utilizado apenas como um medidor de resposta ao treinamento em altitude. De fato, a inalação de CO em baixas doses é bastante comum para avaliar a adaptação ao treinamento em altas altitudes. Realmente, a equipe UAE Team Emirates entre outras, passaram 2024 utilizando o método de inalação de CO como uma avaliação clínica nos treinamentos em altitude. Porém, isso gerou preocupação e fez com que a UCI cobrasse um pronunciamento da AMA/WADA (Agência Mundial Antidopagem) sobre o assunto. No final do mesmo ano a UAE Team se pronunciou dizendo que não utilizava mais o CO como teste em seus atletas. Posteriormente, a UCI decidiu proibir a inalação repetida de CO no ciclismo a partir de fevereiro de 2025, alegando proteção à saúde dos atletas. Porém, a proibição se voltou à utilização da técnica, e não a um incidente de saúde grave com algum atleta. Mas, o que essa técnica tem de preocupante que levou a UCI a proibi-la?
O CO é uma molécula de natureza dual. Embora conhecido principalmente por seus efeitos nocivos em altas doses, pesquisas tem revelado um potencial terapêutico e aplicações diagnósticas para administração de CO em baixas doses. Em níveis fisiológicos e concentrações farmacológicas ligeiramente elevadas, o CO desempenha papéis cruciais no corpo, incluindo a modulação da inflamação e do estresse oxidativo, bem como a regulação da biogênese mitocondrial e da angiogênese. Apesar das evidências ainda serem limitadas (baixa a moderada), parece que a administração de CO aumenta diretamente a concentração de eritropoietina com potenciais efeitos na massa de glóbulos vermelhos e no desempenho do exercício, aumentando o número de eritrócitos circulantes e, consequentemente, o transporte de oxigênio.
Entretanto, a pesquisa já demonstrou que a medição de massa total de hemoglobina (tHb-massa) pela técnica de inalação intermitente de CO é um método bem estabelecido na ciência do exercício e na prática de treinamento, e que medições únicas parecem não influenciar o desempenho, fazendo desse método um bom teste de avaliação da capacidade de difusão pulmonar e da tHb-massa.
O que preocupa a UCI nesse caso é a suspeita de que equipes poderiam estar manipulando o método com o objetivo de ganhos diretos nos índices fisiológicos de seus atletas. Na fisiologia prática sabemos que cerca de 97% do oxigênio levado dos pulmões aos tecidos são transportados em combinação química com a hemoglobina nas hemácias, é tentador imaginar que você pudesse aumentar a massa de hemoglobina no seu sangue. Mas, como a inalação intermitente em baixas doses de CO poderia aumentar a massa de hemoglobina no sangue? Sabendo que o CO se liga cerca de 250 vezes mais facilmente que o O2 na hemoglobina.
Um dos conceitos tentadores desse método de inalação de CO, é de que ele reproduziria os efeitos do treinamento em altitude. Na prática, inalar CO reduziria o aporte de O2 no sangue por redução da pressão parcial de O2 (PO2), resultando em um quadro de hipóxia, já que o CO se combina com a hemoglobina no mesmo ponto em que se combina o O2, dessa forma, o CO pode deslocar O2 da hemoglobina, diminuindo a capacidade de transporte de O2 do sangue. Em situações de hipóxia, o fator de transcrição HIF-1alfa (fator induzível por hipóxia-1α) é ativado, levando a uma eritropoiese (aumento de eritrócitos) induzida por hipóxia, facilitando o aumento de O2 no sangue juntamente com a capacidade de carga pelo aumento da tHb-massa. Além disso, essa hipóxia induzida por CO poderia levar a um aumento da biogênese mitocondrial do musculo esquelético e aumentar o efeito ‘tampão’ da hemoglobina no sangue, ou seja, a capacidade de manter a saturação arterial em abaixo do normal (próximo a 89%) mesmo quando a PO2 alveolar cai abaixo da metade do normal (situações de altitude). Esse efeito faz com que a PO2 nos tecidos fique estabilizada, um efeito essencial a vida.
No cenário científico o método de inalação em baixas doses apresenta resultados mistos e conflitantes, e seus impactos no desempenho esportivo de Endurance ainda permanece um ponto de discussão. Por exemplo, o número limitado de estudos, participantes com diferentes níveis de condicionamento físico, desde ativos recreativos até atletas altamente treinados e resultados inconsistentes dos estudos não nos permitem tirar uma conclusão definitiva.
Outro ponto de debate é a segurança, já que estamos falando de um componente que em doses altas pode acarretar sérios problemas à saúde desde efeitos cardiovasculares e neurocomportamentais leves até efeitos mais graves. Porém, estamos falando de inalação em doses baixas, o que em tese é seguro, mas continua sendo objeto de debate. Alguns ensaios clínicos sugerem que níveis de CO de até 6,4% de COHb (Carboxihemoglobina, composto formado pela ligação do CO com a hemoglobina) podem ser considerados seguros. Nesse sentido, a principal fabricante dos inaladores de CO, a dinamarquesa Detalo Health©, defende que os aparelhos são seguros e eficazes e concluem que: “o problema não é o gás, mas sim a dosagem”, e reforçam que sempre se posicionaram contra a utilização do aparelho com o objetivo de aumentar os níveis de hemoglobina no sangue.
Alguns pontos importantes a serem considerados quanto à segurança da inalação do CO: (1) Variabilidade individual: Os sintomas, sinais e prognóstico de intoxicação aguda por CO geralmente variam entre os indivíduos e não se correlacionam consistentemente com os níveis de COHb; (2) Intoxicação por CO: A intoxicação por CO inclui tanto hipóxia tecidual quanto alterações celulares diretas por meio de vários mecanismos. A esse respeito, foi observado que a inalação de CO para determinação da tHb-massa levou ao aumento dos níveis de COHb em até 10%. Só para nível de comparação, fumantes regulares tem níveis de COHb em torno de 3% a 8%; e (3) Deslocamento da curva de dissociação oxigênio-hemoglobina: essa curva apresenta o aumento progressivo da porcentagem de hemoglobina ligada ao O2, à medida que a Po2 do sangue se eleva, denominado percentual de saturação de hemoglobina. Vários fatores contribuem para o deslocamento dessa curva para direita (o que denota maior saturação de Hb e, consequentemente maior aporte de O2), por exemplo, aumento de acidez no sangue, CO2 elevado, aumento de H+ (íons hidrogênio) e aumento da temperatura. A administração de CO desloca a curva de dissociação de oxigênio para a esquerda, potencialmente dificultando a liberação de oxigênio e a oxigenação dos tecidos. No entanto, a meia-vida relativamente curta da COHb sugere apenas um efeito transitório de hipoxemia.
Em um momento em que pessoas buscam resultados imediatos e likes a qualquer preço, surge a principal preocupação, o uso indevido e indiscriminado da inalação de CO. É importante lembrar que, de acordo com a Agência Mundial Antidoping (WADA), a inalação de CO pode se enquadrar em "M1. Manipulação de Sangue e Componentes Sanguíneos" e, portanto, pode ser considerado um método proibido se usado como uma ferramenta não diagnóstica.
Prof. Me. Eduardo Figueiredo
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