Treinamento em altitude. Já considerou?

Entenda os benefícios fisiológicos e como fazer uma camp em altitude

Treinamento em altitude. Já considerou?

Você já deve ter percebido que todos os anos atletas profissionais de Endurance, principalmente ciclismo e Triathlon, passam um período em Camps de treinamento em altitudes elevadas. Mais especificamente, esse interesse foi despertado em 1968 na Cidade do México (2.250 m), dado os resultados superiores obtidos por atletas que residiam ou treinavam em altitude elevadas em relação aos seus colegas que se preparavam ao nível do mar. Posteriormente, foi observado que o mau desempenho desses atletas que treinavam ao nível do mar foi resultado da redução no transporte de oxigênio adequado naquela altitude, e um reflexo disso foi de que não foram estabelecidos novos recordes mundiais nas provas com duração superior a 2min 30seg. Desde então, treinadores começaram a introduzir os Camps de treinamento em altitude com o objetivo de melhorar o desempenho dos atletas nas competições.

Mas quais são os efeitos fisiológicos do treinamento em altitude, e como isso pode refletir a longo prazo na performance do atleta?

Antes de tudo precisamos entender o que acontece ao corpo quando é exposto a altitudes elevadas. À medida que subimos acima do nível do mar para regiões com altitudes elevadas, a densidade do ar diminui progressivamente. Por exemplo, a pressão barométrica (ou pressão atmosférica) ao nível do mar é, em média, de 760 mmHg, enquanto que a 3.000 m de altitude o barômetro cai para 510 mmHg, e a 5.500 m a pressão chega à metade do nível do mar. Esse fenômeno é o principal responsável pelas adaptações necessárias geradas pelo corpo para suprir as demandas do ambiente. Quando a pressão barométrica reduz, a pressão parcial de oxigênio (PO2) na atmosfera diminui proporcionalmente, permanecendo ligeiramente abaixo (20%) da pressão barométrica total. Só para se ter uma ideia, ao nível do mar a PO2 é cerca de 150 mmHg, enquanto que no cume do monte Evereste (8.848 m) é cerca de 25 mmHg. Apesar disso, quando o indivíduo é exposto a uma altitude de 1.900 m a PO2 alveolar cai para cerca de 75mmHg, porém a hemoglobina continua sendo 90% saturada com oxigênio. Essa dessaturação arterial relativamente pequena exerce pouco efeito em um atleta durante o repouso ou até mesmo em exercícios leves, porém restringe profundamente o desempenho em exercícios aeróbicos intensos.

A lógica fisiológica do treinamento em altitude é de que a pressão barométrica e a PO2 reduzidas resultam em uma menor disponibilidade de oxigênio, causando uma hipóxia por altitude. A exposição hipóxica resulta em uma redução na troca de oxigênio dos alvéolos para o sangue (perfusão de oxigênio) e, por sua vez, diminui o oxigênio circulante induzindo a sinalização do fator de hipóxia HIF-1alfa (Hypoxia-inducible factor 1-alpha), permitindo a ligação a genes-alvo, incluindo aqueles responsáveis pela angiogênese e regulação positiva da glicólise.

Consequentemente, essas alterações estimulam adaptações hemodinâmicas da eritropoetina (EPO) e massa total de hemoglobina, Hbmass (massa absoluta de hemoglobina que circula dentro do corpo). Além disso, são observadas alterações não hematológicas induzidas pela hipóxia, como o aumento de genes mitocondriais e melhora da capacidade de carga muscular. Uma das principais justificativas da adoção do treinamento em altitude seria o efeito positivo proposto do aumento da capacidade de transporte de oxigênio. Apesar de se observar alterações não hematológicas, as evidências sugerem que as melhorias de desempenho observadas ao nível do mar se dão prioritariamente pelas alterações hematológicas.

Na exposição à hipóxia, ocorrem várias respostas fisiológicas agudas (horas) e crônicas (dias a semanas). As respostas agudas à hipóxia podem frequentemente ocorrer dentro de horas após a exposição, com início dependente do grau de exposição, enquanto as respostas crônicas podem surgir 1 a 3 dias após a hipóxia, que incluem adaptações mais duradouras resultantes da diminuição da concentração de oxigênio. A exposição à hipóxia leva ao aumento imediato da ventilação alveolar conhecido como resposta ventilatória hipóxica (RVH). A RVH permite que o corpo utilize e processe oxigênio em taxas significativamente mais altas como resultado da expressão de HIF-1alfa, levando a um controle significativo da queda de PO2 arterial auxiliando nas respostas ventilatórias a hipóxia. Além disso, alterações distantes podem ocorrer, como as observadas no músculo esquelético que incluem aumentos na capilarização, na capacidade de tamponamento muscular, no conteúdo de mioglobina e capacidade mitocondrial. Além do mais, esses fatores podem contribuir para a oxidação muscular, levando a uma redução na produção de lactato.

Um dos principais efeitos do treinamento em altitude que faz com que seja considerado uma estratégia interessante no ganho de performance, é o aumento da concentração de hemoglobina (Hbmass), uma molécula proteica que carrega o ferro é transportada dentro das hemácias e é responsável por grande parte do transporte de oxigênio no sangue. Apesar de alguns fatores poderem impactar na adaptação a altitude, tanto os atletas de elite do sexo feminino como do sexo masculino apresentam frequentemente aumentos progressivos da Hbmass em altitudes crescentes, de 1300 m a 2100 m - 2320 m.

Além disso, a exposição à altitude está associada a uma diminuição do consumo máximo de oxigénio (VO2max) em paralelo com a pressão barométrica e da PO2 essencialmente explicada por uma diminuição da oxigenação do sangue. No entanto, tanto o volume sistólico máximo como a frequência cardíaca diminuem. Inicialmente, existe um débito cardíaco mais elevado em qualquer carga de trabalho, e o débito cardíaco máximo e a frequência cardíaca são mantidos ou apenas ligeiramente reduzidos.

Atletas de Endurance devem adaptar o treinamento em altitude enfatizando o macrociclo. Por exemplo, o atleta pode participar de um treinamento de Camp em altitude na fase de base da preparação, quando as intensidades dos treinos não são críticas, podendo focar em treinos com volumes mais altos e intensidades mais baixas a moderadas, fornecendo dessa forma ao atleta os efeitos hematológicos desejáveis do estímulo hipóxico.

No entanto, exposições intermitentes anuais aos Training Camos em altitude vem demonstrando aumentar a Hbmass em atletas. Por exemplo, foi observado um aumento da Hbmass em nadadores de elite australianos em média de 10% durante 4 anos que compreendeu 8 Camps em altitude. Dessa forma, sugere-se que repetidas exposições aos camps de altitude ao longo do tempo pode ser uma estratégia adequada para o atleta se beneficiar ao máximo do treinamento em altitude, ou seja, se você deseja obter os benefícios desse treinamento é importante que isso passe a entrar na sua rotina da periodização, pois essa abordagem permite repetir os estímulos para o aumento de Hbmass e as adaptações de treino não hematológicas, melhorando os efeitos negativos da altitude devido a uma “memória hipóxica” melhorada.

De acordo com isso, um estudo que analisou as características de treinamento da esquiadora de cross country mais bem sucedida do esporte Marit BjØrgen (18 medalhas de ouro em mundiais e 6 medalhas de ouro em jogos olímpicos), observou que ao longo dos 17 anos de sua carreira cerca de 18% – 25% dos treinos anuais foram realizados em altitude, que compreendiam períodos curtos de treinamento (≤ 16 dias) com uma clara redução dos treinamentos de intensidades altas e aumento significativo de treinamentos de baixa intensidade em relação ao nível do mar.

A dose hipóxica ainda é um tema em discussão entre os estudos, e parece que altitudes inferiores a 1.800 m podem não fornecer o estímulo hipóxico suficiente para as adaptações fisiológicas necessárias, e altitudes acima dos 3.000 m tem maior potencial de prejudicar o processo de recuperação (distúrbios do sono, etc).

Embora um período de 3 a 4 semanas de duração de treinamento em altitude seja o tipicamente recomendado, a utilização de camps de 1 a 2 semanas intercalados com períodos de duração semelhantes no nível do mar tem demonstrado melhorar desempenho de atletas de elite de Endurance em média de 2%. Esse modelo de “viver alto e treinar baixo” permite que os atletas atinjam a maior dose global de exposição à altitude necessária para estimular a eritropoiese e aumento de Hbmass, ao mesmo tempo equilibrando a necessidade de passar um tempo ao nível do mar para maximizar a qualidade do treino e reduzir a fadiga associada a períodos prolongados em altitude que já foi registrado em atletas de elite.

Uma variedade de estudos apoia as adaptações induzidas na Hbmass através da estratégia de “viver alto treinar baixo”, com melhorais variando entre 2% a 5%. Essa estratégia consiste em passar um período em altitude e retornar ao nível do mar ou próximo para cumprir treinos mais específicos e intensos. Essa estratégia pode beneficiar atletas que tem acesso somente a locais de treinamento de baixa altitude (˂ 2000 m). Por exemplo, foi observado em corredores de 400 m e 800 m um aumento significativo de 5% após os atletas serem expostos a 2 Camps de treino a 1.300 m e 1.650 m com duração de 3 semanas cada, intercalados por 3 semanas ao nível do mar. Além disso, adaptações de curto prazo como economia de trabalho e ventilação podem ser alcançadas dentro desse período de tempo.

Entretanto, é recomendado que a abordagem de múltiplas exposições à altitude durante o ano deva ser intercalada por períodos prolongados superiores a 8 semanas no nível do mar para conceber as adaptações adquiridas na altitude e assegurar que o atleta esteja recuperado e motivado para o subsequente camp em altitude, apesar de essa recomendação nem sempre ser seguida por alguns atletas de performance.

Outra questão é que nem todos os atletas parecem se beneficiar igualmente do treinamento, sendo observado muitas vezes resultados variados ao mesmo protocolo entre os atletas, com alguns indivíduos melhorando sua performance aeróbica ao nível do mar, outros experimentando nenhuma mudança e em alguns até mesmo um declínio na performance. As respostas individuais (fisiologia e desempenho) ao treinamento em altitude também podem ser parcialmente explicadas pela variação biológica normal e erro de medida nos diferentes parâmetros avaliados.

A medição da eritropoetina no sangue, logo após o início da exposição à altitude pode ser usada para identificar se os atletas estão respondendo à hipóxia de altitude.

A maior dificuldade para alguns atletas (incluindo os brasileiros) é o acesso a esses Camps de treinamento em altitude. Uma das soluções encontradas para esses atletas foi o desenvolvimento de tecnologias que simulam o ambiente de altitude elevada.

As duas técnicas de simulação de altitude são a hipóxia hipobárica (a mais próxima da realidade natural) que utiliza câmaras hipobáricas e a hipóxia normobárica que utiliza equipamentos que filtram o ar do ambiente e injetam em câmaras ou quartos um gás com o FiO2 (fração de oxigênio inspirado) menor. Evidências vem demonstrando as principais diferenças nas adaptações a esses dois modelos, e uma dessas é a diferença no aumento na RVH na hipóxia normobárica (próximo a 30%), tanto em condição de repouso como em exercício. Apesar de aparentar tecnologias recentes, já em 1989 Christian Bauer já havia detalhado a taxa de formação de EPO em humanos expostos a câmara hipobárica (hipóxia hipobárica).

Além disso, estudos posteriores descobriram o papel da expressão do receptor de EPO que forneceu bastante informação sobre a atividade da EPO que foi além somente do seu papel na regulação e produção de hemácias, sendo observado efeitos cardioprotetivos, desenvolvimento cerebral e neuroproteção por meio de uma resposta coordenada contra a redução de oxigênio.

Vale ressaltar os cuidados que devem ser estabelecidos quanto a adoção da exposição à altitude. Por exemplo, doenças ou lesões ocasionadas por uma prejudicada regulação homeostática do equilíbrio imune pode favorecer alterações imunológicas a longo prazo e inibir as adaptações do treinamento em altitude, aumentando o risco de lesões ou infecções. Por isso programas de treinamento em altitude mal planejados podem levar a resultados deletérios ao atleta, como desempenho deficiente, fadiga excessiva e até mesmo lesões. Dessa forma é essencial planejar e periodizar os camps de treino em altitude, controlando adequadamente as cargas de treino e monitorando continuamente o estado de adaptação e saúde do atleta.

Prof. Me. Eduardo Figueiredo
Coach – Cordella Team
Personal Trainer - @prof.edu.figueiredo