As vantagens do Gut Training

Treinar o intestino faz parte do plano de treino 

As vantagens do Gut Training

Nos treinos de triathlon, falamos de watts, pace, VO₂max, limiar de lactato e estratégias de recuperação. Mas há um “músculo” silencioso e muitas vezes esquecido que pode determinar o sucesso de uma prova longa, o intestino.

Durante o exercício prolongado, o trato gastrointestinal (TGI) é responsável por digerir e absorver os nutrientes e fluídos ingeridos, assegurando que o corpo dispõe dos substratos energéticos necessários para manter a produção de energia e o equilíbrio hídrico. No entanto, quando o esforço é intenso e prolongado, o intestino é também uma das primeiras vítimas do stress fisiológico associado ao exercício.

Até 85% dos atletas de endurance relatam algum tipo de sintoma gastrointestinal durante o treino ou a competição, desde inchaço, cólicas e náuseas até urgência intestinal ou diarreia.

Durante o exercício, há uma redistribuição do fluxo sanguíneo: o sangue é desviado dos órgãos digestivos para os músculos e pele, comprometendo temporariamente a função intestinal. Isto pode causar:

- Redução da motilidade (digestão mais lenta);

- Maior permeabilidade intestinal, permitindo passagem de endotoxinas;

- Desconforto abdominal e má absorção de nutrientes;

- Sintomas que obrigam o atleta a abrandar ou desistir da prova.

Além disso, por receio destes sintomas, muitos atletas diminuem a ingestão de carboidratos durante a prova, o que pode levar a fadiga precoce e a um desempenho abaixo do esperado.

O conceito de Gut Training

Nos últimos anos, a ciência tem vindo a demonstrar que o TGI é altamente adaptável, tal como o sistema cardiovascular ou muscular.

A esta prática chama-se “gut training” ou “treino do intestino”. A ideia é simples: expor o intestino, de forma progressiva e controlada, às condições nutricionais da prova, para o preparar a tolerar melhor a ingestão de alimentos e fluídos durante o exercício.

O que acontece quando treina o intestino?

Quando treinado, o intestino adapta-se de várias formas:

- O estômago esvazia-se mais rapidamente, reduzindo a sensação de enfartamento;
- A tolerância a volumes maiores de líquidos e alimentos aumenta;
- A expressão de transportadores de glicose (SGLT1) aumenta, melhorando a absorção e utilização dos carboidratos;
- Com o treino os sintomas gastrointestinais diminuem significativamente.

Estas adaptações permitem que o atleta consiga ingerir mais carboidratos com menor desconforto, garantindo energia disponível e melhor performance

A Ciência

O estudo de Costa et al. (2017) testou este conceito de forma estruturada. Durante duas semanas, 25 corredores de endurance realizaram treinos com ingestão controlada de carboidratos (90 g/h, numa razão 2:1 de glicose:frutose).

Os resultados:
 - Sintomas gastrointestinais reduziram 60–63%
 - Melhor absorção de carboidratos (redução de malabsorção em 45%)
 - Maior disponibilidade de glicose na corrente sanguínea
 - Melhoria de performance de 5%

Sem qualquer aumento de marcadores de lesão intestinal ou stress sistémico (como o I-FABP e o cortisol).

Mais recentemente, Martinez et al. (2023) realizaram uma revisão sistemática de oito estudos, que confirmou estes efeitos:

- Redução média de 47% nos sintomas gastrointestinais
- Melhoria da absorção intestinal até 54%
- Sem alterações relevantes na integridade intestinal.

Contudo, os autores salientam que ainda são necessários mais estudos para definir o tempo ideal e a melhor forma de implementar o treino intestinal.

Como aplicar o gut training na prática

Estas estratégias devem ser testadas durante o período de treino, nunca apenas no dia da prova.

 - Testar a nutrição da prova nos treinos longos.
 - Aumenta progressivamente a quantidade de hidratos de carbono.
 - Utiliza misturas de carboidratos (como glicose + frutose) para aumentar a capacidade de absorção.
 - Fazer treinos em condições semelhantes às da competição (calor, intensidade, duração).
 - Em casos de desconforto persistente, procura acompanhamento especializado, um nutricionista com experiência em saúde gastrointestinal pode ajustar o plano as suas necessidades e tolerância.

Treinar o intestino é mais do que uma moda, é uma estratégia baseada em evidência científica que pode transformar a forma como o atleta tolera e utiliza a nutrição durante o exercício. Um intestino treinado significa menor desconforto, melhor absorção de nutrientes/fluídos e, no fim, melhor performance.

João Cabral - Nutrição Desportiva 4814NE 

Triatleta 

@joaocabral_nutrition